J-A 251, Set — Dez 2014, p. 476-481

Rui Mendes e Luís Ferro (texto)

MATERIAIS: PRODUÇÃO,

LABORATÓTIO,

OBRA

J–A CONVERSA COM ÂNGELA NUNES,
NELSON CRISTO, TÂNIA TEIXEIRA E NUNO GRENHA

Pensamento e construção consumam a tarefa elementar
de juntar a matéria. Os materiais constituem um património da arquitectura e dão corpo à sua força enquanto expressão, forma e signi cado. Matéria-prima, processamento e transformação são operações que permitem aferir em que pé se encontram hoje as empresas que fabricam e comercializam o que dá substância à arquitectura. Fomos ao encontro dos engenheiros Ângela Nunes (Secil) e Nelson Cristo (Cevalor – Centro Tecnológico da Pedra Natural de Portugal) e dos arquitectos Tânia Teixeira e Nuno Grenha (Telheiro da Encosta do Castelo, O cinas do Convento). O que é que a indústria espera e deseja dos arquitectos? Com que olhos vê actualmente o seu negócio?

 

LABORATÓRIO / PRODUÇÃO

j–a Quais foram os principais ajustes efectuados pelas vossas empresas para enfrentar esta época, em que parou quase toda a construção em Portugal?

secil Foi muito amargo passar
de um período áureo da construção para esta situação, mas não podemos continuar com um pensamento pessimista. Temos de olhar para o futuro com ânimo, com perspectiva,
e também temos de perceber que muito daquilo que zemos neste
país foi pouco re ectido. As equipas
de engenheiros e arquitectos são ganhadoras. Sempre foram. Os engenheiros são muito pragmáticos, foram preparados para a resolução de problemas; enquanto os arquitectos têm uma visão de espaço, sensorial, mais ligada à percepção daquilo que
é a necessidade de conforto e bem- -estar das pessoas. É esta dupla visão
e o trabalho em equipa que potencia
a indústria. Darei dois exemplos que ilustram bem a questão: quando o arquitecto Eduardo Souto de Moura nos desa ou para o estudo de um edifício que estruturalmente tinha de ser em betão, mas com um acabamento exigente, com uma textura e cor especiais, fomos para o laboratório vencer as di culdades da obra em causa. Quando o arquitecto João Luís Carrilho da Graça nos disse: eu tenho um edifício com enormes cargas, em que temos de aligeirar o peso sem
que isto comprometa o seu aspecto monolítico, contornámos o desa o com o desenvolvimento de um betão branco com cortiça.

OFICINAS DO CONVENTO

Desenvolvemos actividades com várias disciplinas e não nos dedicamos exclusivamente ao trabalho com materiais de construção, mas podemos a rmar que tivemos tijolo e tijoleira de fabrico artesanal que se vendia com facilidade, e hoje isso não acontece.
A nossa produção consistia em produtos por medida, ou seja, eram muito especí cos, porque existia grande facilidade em adaptar moldes
e adequar o processo à encomenda.

Perante a crise tivemos de reinventar processos artesanais, criando outros produtos que têm de dar resposta
a uma série de preocupações emergentes. Actualmente tem de se conseguir fazer tão bom como se fazia antes, daí termos virado muita da nossa investigação para produtos de terra crua, como por exemplo os blocos de terra comprimidos (BTC), entre outros. Resgatar técnicas tradicionais é uma constante do trabalho das O cinas do Convento, onde o arquitecto tem um papel importante. Isto é feito a par com uma investigação cientí ca rigorosa e com colaboradores na parte da engenharia civil que nos ajudam a investigar a matéria-prima, que é um domínio fundamental para fazer um bom produto.

j–a A crise retirou a estabilidade que existia na indústria e obrigou a uma acção mais sistemática e rigorosa. Na cadeia de produção, a Cevalor tem uma participação ligeiramente diferente, uma vez que não produz materiais.

ceValor A crise impôs um paradigma para o qual não estávamos preparados. Fez repensar completamente a nossa estrutura

e incitou a uma in exão dirigida à internacionalização, com especial incidência para os países de língua o cial portuguesa com recursos geológicos, nomeadamente Angola, Moçambique e Timor. Identi camos um enorme distanciamento entre

a indústria e o consumidor nal, e sentimos que essa aproximação é cada vez mais importante. A Cevalor tem estado a reestruturar os seus serviços para proporcionar esse tipo de apoio, no sentido de conseguir apoiar as empresas ao nível do produto, da optimização de processos, de fazer
o mesmo com menos, fazer melhor com menos, de ter preocupação em incorporar questões ambientais e os rótulos europeus relacionados com
o desempenho ambiental do produto. Desde há muito tempo que sentimos alguma di culdade de relacionamento com os arquitectos, mas, felizmente, nos últimos três anos temos sentido
o oposto. Isso é fruto da nossa relação próxima com as universidades e com os

pro ssionais que estão a ser formados agora e que, no futuro, vão prescrever este ou aquele material de construção.

j–a No caso do Telheiro da Encosta do Castelo, como é que o facto de serem arquitectos alterou o trabalho que estava a ser produzido nas O cinas?

oFicinas Desencadeou a diversi cação de produtos e modos de aplicação. Essa é a nossa preocupação. Com isso, veio por arrasto uma série de disciplinas que foram capazes
de acrescentar inovação. Saímos do molde cozido com lenhas do corte da poda das oliveiras, tudo ainda feito com os preceitos da forma antiga,
para utilizarmos reciclados de toda
a ordem na cozedura e incorporados na própria receita de fabricação dos materiais. O propósito do Telheiro é conseguir apetrechar-se para receber quem tenha vontade de investigar e experimentar. Este é o nosso negócio, abrir a porta para dar oportunidades de aprendizagem. Enquanto estudante nunca tive oportunidade de entrar
em empresas, de participar, de ter
um pequeno estágio intermédio. O Telheiro é uma o cina para quem tem vontade de dar forma a essas ideias.
É uma atitude muito pragmática de fazer dando corpo àquilo de que se fala.

j–a Neste momento estão a construir um núcleo destinado aos BTC, ou seja, vão ter dois edifícios distintos, um destinado à produção de BTC e outro para a experimentação dos alunos

de Belas-Artes, que realizam uma investigação diária com contributos que são posteriormente aproveitados para as peças que vocês produzem.

OFICINAS É um momento crucial. Está a ser construído o laboratório físico-mecânico. É destinado às pequenas coisas do dia-a-dia, uma vez que podemos utilizar os laboratórios da Universidade de Évora ou do ISCTE para fazer testes mais exigentes.

A terra é um material muito difícil
de dominar, varia de lugar para lugar. O acompanhamento das equipas técnicas é muito importante para adequar as respostas à natureza
das matérias-primas.